SÍNDROME DO ARCO-ÍRIS
(um Conto de Fadas contemporâneo em um Reino sombrio)
Era uma vez uma Princesa
Atormentada por uma terrível maldição:
Era mantida prisioneira
Dentro do corpo de um sapo
Que habitava um grande lago
De lágrimas próximo
Ao Lago dos Cisnes
– maldição lançada por Mater Natura
(poderosa Feiticeira) quando ainda
em materno ventre crescia.
Era, de fato, Princesa,
Mas não conseguia se libertar
Da maldição de estar presa
A um corpo estranho e repulsivo!
Não tinha a sorte de Odette,
Que sob a luz do luar
Vivia como jovem mulher
E sob a luz solar
Ao menos se transformava
Em algo belo: um cisne!
Acreditava que poderia ser libertada
Com um “beijo de amor verdadeiro”,
Mas quem poderia dá-lo?
Poderia ser um familiar, um Príncipe,
Um plebeu ou um Mago,
Mas sentia que a maldição
Apenas poderia ser quebrada
Com um beijo de seus próprios lábios!
Com seu olhar de Princesa,
Através dos olhos do sapo
Via um Reino amaldiçoado
E sem cores, sombrio.
E ainda que em galanteios
A chamassem de “Príncipe”,
Por escárnio tomava
E mais arredia se tornava.
Na tentativa de parecer
O que realmente era,
Montava uma menina
Sobre seu corpo anfíbio,
E diante do espelho se perguntava:
– Ó espelho meu,
Existe alguém mais infeliz
E aflita do que eu?
Não via a beleza da Rainha Má,
Muito menos a da Branca de Neve;
Nem mesmo conseguia a jovem
Enxergar sua interior beleza
Refletida no espelho,
Apenas a pele grossa
Do sapo vestido como Princesa,
E isso a fazia desejar
Uma venéfica maçã devorar
A fim de dormir infeliz para sempre
– mais se parecia a uma
de suas bonecas de trapo,
e quisera ao menos se parecer
a uma daquelas de porcelana!
Mas ela nunca foi uma montagem,
Nem como aquela que fazem
Para representarem de forma teatral
O papel de Princesa nos palcos da vida,
Nem como em um desfile de vaidades
Ou em uma performance erótica
Para si mesma ou para o outro;
Apenas com todo o seu Ser sentia
E em sua mente livre sabia
– mente que nenhum feitiço aprisionará –
Que tinha origem nobre
Baseada na nobreza da mulher
Que cresceu dentro de si,
Uma linhagem de sangue
Carregado de estrogênio e progesterona,
Linhagem das poderosas Rainhas do Mundo,
– sua origem real como Princesa;
a realidade oculta pela grande Feiticeira!
Sentia-se uma lagarta
A rastejar pelo mundo
Como todos queriam vê-la,
E não queria vir a ser
Uma triste mariposa a viver
Oculta pela noite, escondida
Em uma vida de tons sóbrios,
Sempre em busca do colorido
Que leva à libertadora luz!
Queria se revelar,
Sair ao Sol,
Senti-lo iluminar
Seu glitter e ser
Quem sempre soube
E sentiu ser!
Um dia, cansada de rastejar,
Encerrou-se em sua crisálida
E repensou toda a sua vida.
Não aceitou mais viver
Como lagarta ou morrer
Perfurando uma rubra
Maçã envenenada!
Sentindo-se poderosa,
Ainda que um tanto insegura,
Decidiu a doce Vitória
Fazer jus ao nome que há muito
Escolhera para si e com ternura
Beijou a si mesma,
Um “beijo de amor verdadeiro”
Que à sua magia deu início
Com o uso de poderosas poções!
O “feitiço de amor verdadeiro”
Coloriu sua crisálida
Com tinta luminosa formada
Por pigmentos de arco-íris;
Coloriu-a com cintilante esmaltado,
Com tinta labial, com glitter e até o pó
E as sombras tinham seu colorido!
Não sentiu amor verdadeiro
Nos beijos que passou a receber
Dos sapos disfarçados de Príncipe,
Mas o que realmente ansiava sentir
Era o amor verdadeiro nos beijos da família!
As poções começaram
A transformar seu corpo,
Mas enlouqueciam sua mente
E suas confusas emoções,
E ela passou a buscar
Por uma Fada Madrinha
Que pudesse torná-la
Uma menina de verdade!
Com sua longa e elegante
Capa vermelha esvoaçante,
Começou a chamar a atenção
Dos perigosos e famintos lobos
Ao desfilar produzida e sedutora
Pelas trilhas da floresta negra
Por onde livremente andamos;
E quando tentava cobrir os traços
E os cachos com seu capuz,
Dava um toque de mistério
Que mais perturbadora a deixava,
Despertando lupinos ódio e desejo
– não teve a mesma sorte da Bela,
que encontrou o amor de um Príncipe na Fera!
Como nunca encontrou
Um forte e belo caçador
Para gentilmente acompanha-la
Em sua longa caminhada,
Teve que se proteger a bela
De si mesma e das feras,
E em toda a guerra que travou
Desde o seu nascimento
Contra as forças malignas
Da amaldiçoada floresta negra,
Parecia ser essa a batalha
Mais difícil e solitária!
Sim, seu tempo de crisálida
Foi longo e confuso, sofrido,
Mas foi coroado o seu sacrifício
Com a intervenção de um Conselho
De fadas madrinhas vindas
De um distante Reino
Imerso em luminosa tinta!
Como em um sonho,
Sentiu a magia
Operar em sua vida,
E quando despertou
Viu que estava completa
Sua metamorfose de menina
– ao que sempre fora se parecia!
Sentia-se despertar
Como a Bela Adormecida,
Mas onde estava o Príncipe?
Sentia-se como Cinderela
A se tornar Rainha,
Mas onde estava o Príncipe?
Esperava ser premiada,
Recompensada por tanto sacrifício;
Esperava receber uma tiara de Princesa
Ou uma doura coroa de Rainha,
Mas ao chegar ao fim
Da ponte de arco-íris
Não viu pote algum com ouro,
Muito menos seu guardião pequenino!
Não havia reconhecimento algum
Pela jornada empreendida,
Pelas sangrentas batalhas travadas
E pela nova Vitória conquistada!
Sim, era uma bela borboleta,
Mas não sabia o que fazer
Com o belo par de asas
Iridescentes que havia recebido,
Nem como fazê-las cintilar
Sob a livre réstia solar
Como sempre sonhara!
Como ensinar
O corpo a voar
Qual sua mente
Sempre o fizera?
Não havia flores onde pousar
– repousar – e sorver o néctar,
Nem Príncipes ou Princesas
Para um “beijo de amor verdadeiro”,
Nem mesmo um Reino para governar,
Pois ainda não estava decidida
A tomar o seu de volta
– ela era a única Princesa,
mas sem coroa ou reconhecimento
de linhagem e realeza,
como se fosse uma bastarda herdeira!
Como a Pinóquio,
Suas fadas madrinhas atenderam
Seu desejo de transformá-la
Em menina de verdade,
Mas o mundo continuava
A vê-la apenas como
Uma bela mentira!
Mas nunca houve
Mentira alguma,
Senão aquela
Que o mundo exigia
Que por ela fosse vivida
– um inverossímil conto!
Como sempre foi verdadeira,
Nunca houve mentiras,
Apenas verdades terríveis
Que a machucaram muito mais que o fuso
A perfurar o dedo de Aurora,
Que a deixaram em letargia;
Verdades que ela precisava esquecer,
Deixar no passado para despertar
Com um beijo de amor próprio
E a sua verdade viver;
Viver essa bela verdade
Que plantou e fez desabrochar,
Revelando-a ao Sol para perfumar
O presente com alegria e o futuro
Com a esperança de um arco-íris
– a semente que germina,
um dia chega à flor!
Tanta injustiça e maldade
A consumiam, e a flor
Que recém desabrochara,
Agora ao júbilo declinava
Em pétalas murchas!
Queria se encerrar
Para sempre na enorme
Torre de Rapunzel
E suas tranças cortar
Para só definhar,
Dando fim ao sofrimento!
Era depressivo ser borboleta
E ainda sofrer com o gosto
Das poções de crisálida
Que ainda sentia no céu da boca
E intensificavam os traumas
Da fase de lagarta,
Ainda entalados na garganta!
Era frustrante ser borboleta
E ver que para todos não passava
De uma lagarta metamorfoseada
– queriam voltar a vê-la rastejar,
ou que ao menos fosse mariposa
para longe dos olhos estar
na escuridão da noite!
Era triste se transformar
Por fora e trazer do interior
Todo o colorido para, ao fim,
Ver que o mundo
Não havia se transformado,
Que continuava o mesmo,
Sem cor e sem amor,
Com seus tons pálidos e cinzentos,
Nublados, carregados, tendendo
Para o obscuro e sombrio
– o “pretinho básico” que veste
o Ser Humano diante do arco-íris,
muitas vezes na esperança do luto!
Mas se não é essa história
Um Conto de Fadas com final feliz,
Tampouco é um Conto de Terror
Com um final triste ou assustador,
Pois ainda não chegou ao seu fim!
Resta à heroína, à guerreira,
Mais uma jornada, mais um desafio:
A vitória total e definitiva
Da borboleta sobre a crisálida
Nessa nova frente de batalha
Em um terreno hostil e acidentado
– a vida – contra as hordas tenebrosas
De bruxas e rainhas más que sempre
A perseguiram e oprimiram;
Uma batalha para libertar
Seu Reino da tirania,
Para de fato se libertar;
Uma batalha de princesas guerreiras
De estandarte azul e rosa
(não vermelho sangue
e já não mais o arco-íris)
Em uma luta conhecida
Por essas mulheres batalhadoras
– amigas ou desconhecidas –
Apenas por seu contemporâneo
Codinome de campanha: Operação
SÍNDROME DO ARCO-ÍRIS!
Julia Lopez
24/01/2015
Nota sobre a foto: wallpaper “Rainbow Engraving Dancing Fairy”, da Shopatron Inc. and Royal & Langnickel e dois recortes da internet sem identificação de autoria sobre o wallpaper “Rainbow Fairy” do website “hqwallbase.com”.
Nota sobre o áudio: o Poema deve ser lido junto com a música, que é o Ato II, Nº 13 – Danses des cygnes – Pas d'action (Odette et le prince) do Balé “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky. Os que acessarem a página do Poema pelo Recanto das Letras não conseguirão ouvir o áudio, então peço que o leiam no meu Site do Escritor clicando aqui: https://www.escrevendobelasartes.com/visualizar.php?idt=5113419 .