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Escrevendo Belas Artes!
Conheçam a arte escrita de Julia Lopez, membro da Academia de Letras do Brasil - ALB.
Textos

<< III. Matutina Tenebrarum    Voltar ao início   

 


IV. Stabat Mater Dolorosa
 
 

De um tempo

Antes do tempo

– antes do meu –

Perdido no passado sombrio

Que se quer esquecer,

Ouço o pranto dos inocentes,

O pranto da vida e o pranto da morte

Que se confundem e misturam

Em uníssono, em um eco

A ressoar assustadoramente

Pela alma e pelo tempo

– no passado se aproximaram demasiado,

e no presente ressoam sincronicamente!

 

Na eternidade ouço na forma

De canto o divino verbo daquele

Anjo lúgubre que obscurecido

Pela seriedade e rigor da morte,

Mantém oculta sua verdadeira face,

Sua inocência de menino!

 

A figura anciã do Anjo da Morte

Traz à lembrança a criança

Ao entoar um Stabat Mater Dolorosa

Como um Castrato

Na Catedral da Eternidade,

Onde o passado e o futuro ressoam

E soam como dor no presente,

Em um eterno agora!

 

A melodia contristada

E os versos lancinantes

Tocam minha alma

Quando o Anjo canta os versos

De uma dura espada

De uma antiga profecia

Enterrada na alma

Agoniada de Maria!

 

Penso em seu coração jubiloso

Sendo friamente atravessado

Pelo Profeta no Templo de Jerusalém

Quando este cruelmente

Deixou de profetizar as maravilhas do Filho

Para profetizar as dores da mãe:

– Uma espada trespassará a tua alma!

 

O canto tétrico

Toca minha alma

Com a violência da lança,

Do espinho e da espada,

E de ti me compadeço em lágrimas

– as águas do Mar Morto!

 

Ouço o Anjo fúnebre

Cantar apenas o Stabat Mater

E passo a entoar junto a ele

Meu recém-composto Stabat Pater

Contrapondo o Castrato em um moteto,

Pois as dores do pai são ignoradas

Pelas Escrituras e pela tradição,

Mas por mim nunca serão esquecidas,

Ainda que tenha que inventar um novo hino

E iniciar uma nova tradição

– o pai também sofreu

as dores da mãe e do filho!

 

Canta o Anjo tuas penas,

Ó Maria, ainda que não o saibas!

Sabe que canta o Anjo apenas tuas penas,

Mas considera que estarei entoando as penas

Do amoroso pai até o fim

– faz com que ele o saiba!

 

Qual Profeta e Poeta escrevo

O canto da Morte como um Hino

Em memória da Luz – ouve-o!

 

Canta o Anjo que tiveste teu aviso,

Então a ele pergunto:

De que serve o aviso da Morte

Ao coração de uma mãe,

Quando esse nutre todo o corpo

Com o amor e a esperança

Que nascem da alma?

 

Canta o Anjo que não ouviste

Sobre profecias e espadas,

Mas que podias ler os sinais

No luciano e recém-nascido receptáculo,

No coração frágil demais,

Humano demais para receber tanta luz,

Para receber uma alma

Tão bela e tão luzidia!

 

Então conto ao Anjo

Que vias tanta luz emanar

Daquele peito pequeno e frágil

Que nada mais podias ver

– o júbilo e o esplendor te cegavam!

 

Conto ao Anjo

Que chegou a punhalada

Sem aviso em teu coração,

Que darias com alegria seu palpitar

Por mais um choro

E não por um silêncio

– na verdade,

trocarias teu coração

pelo coração dele!

 

Sentiste o punhal

Tão profundo no coração

Que chegou até a alma

– canta o Anjo sobre a chaga

que cicatriza no coração,

mas nunca na alma!

 

No punhal sentiste a frieza

Da espada de Herodes

No Massacre dos Inocentes!

 

Não choraste ao pé da cruz

Como a mãe de Deus,

Mas viste a luz do teu filho

Se esvair dos olhos em um leito!

 

Canta o Anjo

Sobre o drama do Sol e da Lua,

Sobre o prematuro nascimento

Da luz e sua prematura morte

No mesmo ponto do teu Universo,

Naquele leito onde vidas

Surgem e desaparecem,

Leito onde a vida nasce, escorre,

Corre e se esvai caudalosa

Sobre as areias do tempo!

 

Foi nesse leito

Em quarto minguante

Que a luz viveu um quarto

Do ano para depois ascender

Cada vez mais no Céu,

Se afastando da tua face

E ocultando-a sob um véu

De Lua Nova que revelou

O cintilar do teu pranto

De chuva de estrelas

– tinhas esperanças

que do Céu continuaria

a iluminar os teus dias!

 

Canta o Anjo que em oração

Choraste o Terço das Lágrimas

Da tua vida, e que o fizeste

Recordar o quanto chorou

Quando a terça parte

De seus irmãos foi lançada

Como joio ao solo da Terra!

 

Canta o Anjo

Que não pudeste ver

Teu filho brilhar,

Mas que poupada foste

De vê-lo pecar

– permanecerá inocente

e puro até o Grande Juízo!

 

Canta o Anjo

Que não pudeste sentir o seu beijo,

Mas que foste poupada

De sentir o seu desprezo!

 

O homem que não pôde ser,

Será para sempre um menino na eternidade,

Iluminando a escuridão do mundo

Dos homens e dos anjos!

 

– Por que tão prematuramente

Levar a um Anjo inocente?

Por que a chama se acendeu

E logo se apagou?

Em que pode a luz ter pecado

Ou qual pecado posso ter cometido

Para que ela fosse assim tirada de mim,

Deixando-me em trevas?

 

Enquanto te culpavas,

Dizia-te o Anjo da Morte:

– Se é a vontade do Pai,

Onde está a minha

E a vossa culpa?

O que resta de culpa

Para mim e para vós?

 

Às vezes penso

Que não estava o mundo preparado

Para receber tanta luz,

Para tê-la habitando entre nós;

Na verdade,

Penso que o mundo não a merecia,

E por isso em Sua sabedoria

O Pai a levou de volta ao lar,

Mas sei que nem mesmo essas palavras

Teriam tido o poder de tua dor aliviar

Naquele momento excruciante!

 

Não o viste crescer e ser

Martirizado pelo mundo,

Mas sabem Céu e Terra

Que tua Via Crucis

Foi demasiado dolorosa!

 

Quando os espinhos do Destino

Feriam teu filho, dizias para ele

Que não eram os teus,

Que preferirias podar-te a feri-lo,

Que preferirias ser arrancada

E ao fogo ser lançada,

Que preferias estar em seu lugar!

 

Dizias a ele

Que jamais lhe daria cravos

Que não fossem flores e especiarias

Para perfumar e adoçar sua vida terrena!

 

Clamaste

À Nossa Senhora das Dores

Que levasse tua dor

Junto ao seu hino

Medieval e sacro!

 

Maria, como no hino,

Peço-te o espinho da dor

Para chorar contigo,

Para juntar as lágrimas

Que agora derramo

Às tuas deixadas

Como chuva na Primavera!

 

Lamento não ter estado lá

Para lamentar junto a ti,

Para te consolar

E compartilhar tuas lágrimas,

Mas ao menos pude

Com meu primeiro pranto

Trazer um franciscano alívio

E a esperança de veres

Com alegria teu rebento

Desabrochar e amadurecer,

Embora não fosse luz

E nem a substituísse

– amadurecido,

olho para o meu próprio rebento

e posso imaginar a dor que suportaste!

 

Não tenho essa fé sobrenatural

Que tens e nem sou divino

Para suportar tamanha dor,

Apenas tenho muito amor,

Devoção e alguns versos;

Uma elegia

Para quem conheço bem e muito amo,

Sobre aquele que nunca conheci,

Mas que sinto amar

No sangue que mana do coração

E se irmana no seio familiar

– na eternidade,

sinto no colo de minha alma

sua alma angelical e fulgurante!

 

Maria, em oração

Peço que te reconfortes

Com estes últimos versos;

Ouve o que Andrea Mantegna

Te diz em pinceladas e pigmentos:

 

– Ele apenas dorme em teu colo,

Embalado por amor, dor e lamentos,

Ele apenas descansa em paz;

E lembra-te que quando acordares

Do teu sono eterno,

Novamente o terás em teus braços

Para todo o sempre!  

 

 

Nota sobre a foto"Madonna with Sleeping Child", do artista Andrea Mantegna (1431-1506).

Nota sobre o áudio: "Stabat Mater Dolorosa", "Cujus Animan Gementem" e "Eia Mater", do Stabat Mater RV 621, de Antonio Vivaldi (interpretados pelo Contratenor Andreas Scholl); Stabat Mater Dolorosa (Largo Assai) do Stabat Mater (a due) de Giovanni Gualberto Brunetti (1706-1787).

Observação: Essa e as três primeiras partes do Poema compõem a obra escrita em memória de Luciano, meu amado irmão que nasceu com insuficiência cardíaca e faleceu antes do meu nascimento devido a complicações, com apenas quatro meses de idade; não deixa de ser uma homenagem a Maria (mãe), Jair (pai) e Maycol (irmão mais velho), que vivenciaram os eventos reais relatados aqui de forma poética!

 


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Esse Poema é parte integrante do Poema "IN MEMORIAM: LUX AETERNA!".

 

Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 05/07/2014
Alterado em 16/11/2023
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