A RAINHA DE GELO
I – Pó de Diamante
Por recordações e ressentimentos trazido,
A cair drasticamente a temperatura sinto
E levanto o olhar de um rosto trêmulo
Que através dos ruidosos dentes espalha
O frio espantoso pelo corpo em espasmos!
Vejo a tempestade de neve
Ameaçadora se aproximando,
Trazida pela dama alva à sua frente!
Seus cristalinos saltos altos
Em estalactites perfuram
Ruidosamente o gelo em cristais
Que levantam o Pó de Diamante
A ornar de forma assustadora
O horizonte em grande e fria fúria!
Sinto como se as janelas de todas
As almas do mundo se partissem,
E o som ensurdecedor e cristalino
Parte dos pés que sabem sozinhos
O caminho para partir meus frágeis
Sonhos de cristal – ou de vidro!
Vem célere, impetuosa e vingativa,
Arrastando o manto real branco
Que levanta mais poeira clara em neve
– ingrediente perfeito de sua sobremesa
gelada preferida, feita com sonhos
humanos batidos, para ser comida fria –
E aumenta a fúria de uma tormenta
Fria e vazia, prova da ausência
De razões, amor e alma,
Prova de sua psicopatia,
Ainda que sob o esquerdo olho azul
Guarde a lembrança de um sentimento
Na forma de uma lágrima cristalizada
À guisa de joia, de gema rara!
A Rainha do Gelo desfila até mim
Pelo lago congelado deslizando
A calda longa do vestido alvo e cintilante,
Ressecando e rachando meu rosto
Com o belo olhar altivo, severo e frio,
De uma nívea face preservada pelo gelo
Em uma expressão inexpressiva e jovem
De lábios púrpuros que nada querem dizer!
Dançam seus quadris sedutores
Ao ritmo dos pés que marcam
Um passo diante do outro
Em linha reta, de forma elegante!
A translucidez da coroa de diamante
Cinge suas melenas negras, lisas
E longas que sobre o manto recaem
E formam o contraste perfeito
Com os tecidos brancos e a tez pálida!
II – Ensurdecido Grito
Sem deter os passos beija
A palma da mão com falsa
Doçura e a sopra me enviando
Seu beijo mortal! O sopro gélido
Sobre mim lança Pó de Diamante
E sinto a pele ser lapidada
Dolorosamente, de escarlate
Tingindo o que já não orna
Com a paisagem polar!
Grito em meio ao som ensurdecedor:
– Por que me feres? O que fiz
para algum sentimento conseguir
despertar em teu cadáver gelado
e conservado nesse imenso
e nórdico inferno de gelo?
Diz a Rainha do Gelo:
– Regalaste teu coração
à horrenda Rainha do Fogo
e arquitetas deixar o Reino de Gelo!
Teu coração pertence a mim,
jovem mortal, e jamais permitirei
que se degele no Reino de Fogo!
Grito, indignado:
– Deixou de te pertencer
quando partiste, quando
o partiste junto aos meus sonhos
e os sopraste em direção
às geleiras do esquecimento!
A Rainha detém os passos
Diante de mim e diz desconcertada:
– Mas fui em busca do teu coração
nas geleiras, para recolher as partes
que restaram e fazer um novo
para adornar em forma de pingente
ao meu seio resplandecente,
no entanto, lá já não estava!
Fui uma deusa generosa e permiti
que tivesses a graça de o teu coração
ser usado como joia a fim de aumentar
minha beleza, mas o levaste da geleira
e meus favores desprezaste!
Cometeste um crime terrível
e uma abominação ao entregá-lo
à cálida Rainha do Fogo; venho punir-te!
Sei que ela o fundiu na caldeira
que leva entre os seios e o temperou
nas águas termais de suas cadeiras
vulcânicas, tornando-o mais forte,
mais ardente e sonhador,
capaz de preservar dentro de si
toda esperança e amor!
Grito, decidido:
– Sim, meus sonhos despedaçados
aos pedaços de amor se misturaram,
e ao senti-la fundindo-os conheci
o verdadeiro fogo do amor
e da paixão; já não posso
mais sobreviver ao frio!
Vejo sua expressão de cólera
Desprender coruscantes
Cristais de gelo ao partir
A superfície de sua fera face!
Sentindo que meu coração
Para sempre perdeu, profere
Com voz tempestuosa a sentença:
– Nunca deixarás esse Reino!
Meu seio desprezas e me trais
com minha maior rival!
Já que não sacias mais tua sede
de desejo nos lençóis frios
de minha alcova cristalina,
prefiro te ver sepultado
sob a glacial lápide a te ver
degelar e escorrer em leitos
termais de uma Rainha
sempre em erupção!
III – Gelo e Degelo
Com uma expressão assassina
Levanta a Rainha seus dedos
Longos e finos para o toque frio
Da morte que a tudo escurece,
Mas antes que cheguem
Ao meu rosto seguro sua esbelta
Cintura e toco sua fronte
Com meus lábios ardentes
Em um beijo terno que sua face
Degela, libertando a expressão
De tristeza, dor e arrependimento
Congelados há muito – preservados!
Em seu interior ressuscita
A viva recordação dos bons
Sentimentos que ela nutria
E de mim com amor recebia!
Cessa toda a tempestade,
Que passa a cair suave
Em lindos flocos de neve.
Uma lágrima degela por fora
E muitas outras por dentro,
Correndo como dois riachos
De primavera e molhando
Suas marcas de expressão
Sofrida na face e no seio!
Desaba em pranto convulsivo
Que a derruba sobre a neve
Cada vez mais espessa,
Desejando ser coberta
Por gelo – sepultada!
Ali a deixo, agonizando
Por um amor – agora –
Impossível e me dirijo rumo
Às terras aconchegantes do Leste,
Onde já sinto familiar o calor
Acolhedor do lugar que agora
Sinto como um lar; um Reino
De fogo, de paixões e esperanças:
O egrégio e belo Reino do Amor!
Julia Lopez
25/02/2014
Nota sobre a foto: montagem com as fotos “Snow White Smile Part II”, do artista SistaofPain (DeviantArt); “Ice Queen”, do artista midnightdew (DeviantArt); e “Snow Queen”, do artista higherdepths (DeviantArt).
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