FANTASIA EM MI MAIOR PARA FLAUTA SOLO SOBRE A SERENATA PARA CORDAS “A CRISÁLIDA DE BELISA” DE JULIA LOPES, OP. 4 “ETERNO RITORNELLO”
1º Movimento: Prelúdio – Andante Maestoso (O Passeio).
Noites frias em passear solitário
Pelas longas e largas calçadas
Dos afetos humanos, a pisar
Os cimentados passos de vidas
E vidas de incontáveis emoções
E sensações, petrificadas
Pelo breve passo da vida
E da morte rumo à eternidade!
As almas a decorar a antiga
Alameda dos sonhos,
E lá ao longe os mastros
Vestindo o colorido das nações,
A dançar alegremente
As Sayas e Morenadas
Tocadas pela estação
Ao soprar sua zampoña gélida
Pelo vale de imensidão!
As duas praças
E o Passeio Público
Entre elas, perfumadas
Com a fragrância doce
Pelas lágrimas célicas deixadas
Que trazem pureza e frescor!
As emoções a perfumar as horas
Que em um átimo se dispersam
Pela brisa de surpresas:
Ylang ylang, patchouli, sândalo,
Petigrain, cravo, baunilha,
Canela, carvalho, cevada,
Âmbar, limão, musgo,
Almíscar, feromônios...
As luzes a decorar a noite
No agitado Passeio Público,
Com seus belos jardins de prazeres,
Sua relva de deleites
E seus canteiros de ilusões e sonhos,
Cercados por bancos de esperança
A esperar ansiosos por alguém
Que os decore e os perfume,
E pelas largas calçadas de cristais
De sal e açúcar cimentados,
Cintilando as encantadoras luzes
Em um grande círculo de ilusões!
O frescor arborizado a embelezar
A rica paisagem noturna;
Euterpe a inspirar os coretos
Que ansiosos esperam
Dos alegres músicos
A sonora decoração;
Os pergolados floridos
Com o romance e a amizade;
Tudo florescendo nesse espaço público
Dedicado ao sonho e à fantasia
– prelúdio da grande Serenata do Amor!
2º Movimento: Allegro Cantabile (O Encontro).
A leveza dos passos
A ecoar na eternidade,
Quebrando o silêncio
Da sucessão de pausas
Escritas na partitura
Da Serenata do amor
Da minha vida, que agora
Começa a ser tocada!
O ventilar da alma
Em suspiros serenos,
Pressentindo os acordes do amor,
E os olhos a repousar suavemente
Em um banco de alegrias
Próximo ao coreto,
Adornado com um trio
De sereias líricas
A me atraírem com seu doce
E mágico canto
Inspirado por Euterpe,
A encarregada pelos deuses
De dar início à Serenata
– singrando as ondas sonoras,
passo a decorar o colorido banco!
Os ventos silvos do Leste
Entoam uma melodia agradável,
Trazendo consigo dois espíritos
Da natureza na forma de belas ninfas,
Acostumadas a apreciar os corais
Que ali em júbilo se apresentam.
A mais nova – tão jovem e pura
que o amor ainda em crisálidas
se ocultava em seu sensual ventre –
Atravessa-me os vitrais
Em sedutora troca de olhares,
Contemplando minha alma,
Deixando-me distante do real,
Com o peito descompassado e leve,
Em acordes dissonantes e confusos
– Serenata de algodão e sonhos!
Com toda a harmonia do momento,
Com todo o arranjo musical a ressoar
Em meu peito, canta a jovem divindade
Seu nome em um doce e lírio sussurro: – Belisa!
Então, cativo por um canto
Mais irresistível que o das sereias,
Passo a conhecer o nome
De minha nova Senhora,
E junto a elas sou levado
Pelos frios ventos flautados
– rapidamente vê-se o belo
e encantador El Prado ao longe!
3º Movimento: Adagio Dolce (Olhares).
Ao lado da Ninfa,
Nova troca de olhares:
Olhos meigos, tão escuros
Quanto as noites mais profundas;
Penetrantes, a esquadrinhar
Minha alma para desvendar
Todos os mistérios e segredos!
Olhos a faiscar, hipnóticos,
Como o sinuoso encanto
Da serpente a enfeitiçar a presa,
Me envolvendo e cativando!
Completamente entregue,
Daqueles olhos
Não podia me libertar!
Olhos ternos,
Onde se podiam ver
As profundezas da alma!
Janelas claras, puras,
De onde vinha a luz da verdade
E do amor por despertar
– verdadeiro amor? –
a iluminar-me a noite
e a romântica Serenata!
4º Movimento: Allegro Con Amore (Toque de Amor).
O esvoaçar de sua abundante
Cabeleira a enegrecer as cercanias,
Espalhando a escuridão,
Aumentando o mistério
E os encantos noturnos;
Sua nívea tez a exalar
O doce perfume da sinceridade,
E dela gotas de sedução a brotar;
Os fogos da paixão a irradiar
De seu belo e voluptuoso corpo;
Bondade e candura a irradiar
De sua face meiga e formosa!
O conseqüente, inevitável
E irresistível encontro
Das mãos a envolver
Em acordes e melodias
Sublimes o mágico rapto
Digno de se tornar mito
– para a flauta doce Fantasia!
Meus dedos e os dela
Em um entrelaçar de almas
Que desperta o amor na diva
Ao apertar as cordas do curvilíneo
Violão de sensualidade,
Afinando-o com meu corpo,
Retesando cada corda
Ao ponto máximo de ruptura
– ao clímax – para fazê-las
Vibrar intensamente
Ao dedilhar em seu ventre
A Serenata do Revoar
Das Borboletas no Inverno
– a saírem das crisálidas
aos montes em melodias
inesquecíveis para a alma! –
Que passa a ressonar
Em suas curvas, fazendo-a
Vibrar e quase desfalecer
– acordes da obra prima
do amor que nasce
e da jovem que renasce,
que ressuscita!
Borboletas do amor jovem,
Que nunca envelhece,
Que nunca se finda – eterno!
Borboletas do renascer da alma,
Que os espíritos da natureza
Ao pleno renascer os leva
– sublime ressurreição!
À crisálida a lagarta;
Ao sepulcro a deidade inocente!
Da aurélia uma belíssima
Borboleta a eclodir;
De um espírito da natureza
Uma poderosa deusa a nascer
– da ciência do bem e do mal
conhecedora, cujo nome pelos mortais
é incognoscível e impronunciável!
5º Movimento: Finale – Vivace Con Fuoco (Estribilho: O Beijo).
Questiono a realidade
Em meio ao idílico
Passeio onírico,
E já não quero despertar:
Passarei a eternidade
Ao lado da deidade,
Para sua alma adorar!
Meu corpo volto a sentir
Quando sua delicada mão fria
Pelo natural declínio sazonal
Passa-me a deliciosa energia
De sua eletrostática em calafrios
Que fazem estremecer meu ventre
Em emoções de medo, êxtase e delírio!
Com o sedoso toque
De Belisa me sinto leve
Como o ar que me falta
Nesse romântico instante,
E passo a evaporar
E dispersar com o calor
Do súbito e febril toque
De seus lábios finos e delicados,
Em um beijo de amor
Com sabor proibido
De furto a roubar
Minha alma e arrebatar
Meu coração, elevando-o
Ao cintilar das estrelas
– roubo consentido, desejado!
Beijo molhado
A ferver os lábios,
A língua e a boca
Em um caldeirão de desejos,
A dispersar-me
Ainda mais em ebulição,
Como em mágica poção!
Sinto-me translúcido, rarefeito,
E ainda sentindo o delicioso gosto
Vermelho de sua tinta labial,
Vaporoso passo a envolver a deusa
Em uma atmosfera densa
De amor, adoração e paixão,
Em um terno e eterno abraço,
Por vezes mesclando-me ao perfume
Carnal que seu corpo exala;
Por vezes condensando-me
Aos poucos para confundir-me
Com sua excitante transpiração!
Quero envolvê-la totalmente;
Quero deixá-la aquecida;
Quero deixá-la umedecida;
Quero impregná-la de mim;
Quero entrar em seu âmago
A cada suspiro; quero ser
Seu único e imortal alento!
Não deixarei que se acabe
O fôlego para a flauta!
Não deixarei que se acabe
O fôlego para a voz do amor!
Não deixarei que cesse a execução
Dessa peça musical e poética:
Reescreverei esse canto dos sonhos;
Reescreverei essa partitura do amor!
Tenho o direito de reescrever
O final da minha própria história!
Tenho o direito de reescrever o final
Da minha Serenata em minha Fantasia!
Nesse último compasso da música,
Escrevo uma barra de repetição
Para marcar o eterno ritornello
Que imortalizará a composição,
Pois desejo esse último Movimento,
Repetido incessantemente
No coreto da minha vida;
E transformo toda essa última parte
No eterno estribilho de todo o Poema,
Em doce e deliciosa repetição
Para a voz ecoar e a flauta tocar
Na eternidade onde vivem as almas,
Onde se canta e se toca o amor! :||
Julia Lopez
01/04/2013