FANTASIA EM MI MAIOR PARA GUITARRA SOLO SOBRE O CANTO “O FADO DE ANDRÔMEDA” DE JULIA LOPEZ, OP. 3 “A DÉCIMA FADISTA”
1º Movimento: Andante Cantabile (Fados e Mitos).
Tardes de melancolia. Solitário.
Pelo recinto o Fado
A ressoar em uma riqueza
De acordes de apatia e tristeza,
Em total ressonância
Com minhas emoções
E com o meu próprio fado.
Em meio a tantas recordações,
Sentado à escrivaninha de sonhos
Onde sou o tinteiro de desejos
Que tombado sangra e mancha,
Ouço o Fado comigo a dialogar!
É meu fado contado
– ora funereamente cantado –
Em lágrimas para a fadista,
Minha única ouvinte
Na solitária melancolia!
A Guitarra Acústica dedilhando
As desventuras, os desamores,
As desilusões, as saudades...
E meu coração à deriva
Em um mar de lamúrias!
Aventuram-se as Parcas
Pela música portuguesa
No palco da minha vida
– improvisam tristeza!
Crendo-se a Décima fadista,
Meu FADO canta e toca
Descompassado e desafinado
– arrogante: dispensa guitarrista!
Feito à mão, sou Guitarra Acústica
Onde a Nona as cordas insere
Para a Décima dedilhar a desdita
– a Morta espera ansiosa
para as frágeis cordas partir
na macabra colheita maldita!
2º Movimento: Andantino Affettuoso (Mar de Andrômeda).
Lamúrias, lamentos,
Tortura, tormento, tormenta...
Isso me leva de volta ao mar!
O mar, sempre à guisa
De algoz dos deuses
– quem não se lembra
da sorte de Ulisses
sob o tridente de Netuno?
O mar, sempre à guisa
De algoz das Parcas,
As caprichosas deusas
Temidas por todos,
Que a todos acorrentam
Aos rochedos do infortúnio
E os deixam à mercê das ondas
Do proceloso mar da vida,
Ondas de um mar caprichoso,
Sempre a mudar de humor
– por vezes, de forma repentina!
Ora calmo, ora agitado, furioso;
Porém, sempre constante
E implacável nas encostas,
Seja por suas marés
– que afogam –
Ou pelo quebrar de suas ondas
– que torturam!
Aos rochedos me sinto acorrentado,
À tortura e ao sacrifício entregue,
Qual Andrômeda com o mar
Em seu frágil corpo a quebrar,
Dolorosamente esperando
A chegada do monstro marinho
Que em horrenda imolação a devorará!
3º Movimento: Andante Con Amore (Coração Ancorado).
Tenho um caso de amor
Com o mar que me mantém
Cativo de seus encantos
E de seu flutuante humor!
Sob a encantadora luz do luar
Passo noites a cortejá-lo;
E dias a contemplar o Sol
Em sua face profunda!
Com seu perfume salobro
Me inebrio e me reconforto
Mergulhado em seus mistérios!
Sua solidão compartilho noite e dia,
Mas agora apenas vejo
Sua parte mais sombria,
E não mais sua vasta beleza!
Vejo-me preso em meio
Ao Mar dos Sargaços,
Onde o pranto é mais salgado;
Onde a vida tudo deixa à deriva;
Onde ao entrar se abandona
Toda a esperança
– como Virgílio e Dante
no portão do Abismo!
O dia me castiga
Com seu Sol inclemente;
E a noite me calafria
Com sua negra mortalha fria!
Estou perdido nesse ponto remoto
Dos domínios de Oceano
– por ele e por suas ninfas esquecido –
Onde jamais sopram os filhos de Éolo
E raramente se vê o volúvel giro
Do timão da oceânide Fortuna!
A âncora que me prende
A esse mar é formada
Por uma liga resistente
De dois metais ferruginosos:
Abandono e esquecimento!
Nesse cemitério de naus,
Onde até o curso
Do tempo se interrompe,
Sepultada vejo
Toda minha esperança e alegria,
Fatalmente fadadas
Ao apodrecimento
E ao esquecimento!
4º Movimento: Finale – Moderato Agitato (O Títere e a Roda da Fortuna).
Na escuridão do palco
Irrompe uma faísca de revolta
E agora me volto contra
As Irmãs do Destino,
As verdadeiras culpadas
Pelo meu infortúnio
– da Décima rechaço
o sorteio injusto!
É a abjeta Décima a dramaturga
A escrever as tragédias do mundo,
Mas ao pensar em seus sorteios,
Começo a me questionar:
De onde vem tanta inspiração?
De seus noturnos caprichos?
Dos caprichos olímpicos?
Dos caprichos de belas ninfas?
Ou acaso vem, de fato, do acaso?
Parece-me que à Fortuna
Lhe diverte servir de vendada musa,
E as Parcas se divertem
Ao tentarem a sorte com nossas vidas
– não podem alegar inocência,
pois dispensaram as vendas!
Não mais as quero jogando
Com o fio da vida que me pertence,
Usando-me em títere joguete!
No jogo do Destino,
Passarei a dar as cartas
E ignorarei a Fortuna:
Rebelar-me-ei
Contra as temíveis Parcas!
Meu próprio destino quero tecer
E meus sonhos no manto da vida bordar
– da Roda da Fortuna dispenso o duvidoso girar!
Com meu áureo e nobre fio,
Quero costurar retalhos,
Quero costurar remendos!
Um novo figurino farei
Para o meu regresso triunfante
Ao meu próprio palco
E aos palcos do mundo!
Já não quero mais Tragédias:
Queimarei as páginas,
Reescreverei a peça,
Escreverei meu novo papel
– lutarei por esse papel!
Quero voltar a me representar
Com paixão e entusiasmo
No breve drama da vida!
Julia Lopez
27/03/2013